Desde a
subida no avião papal, em Roma, quando carregou sua própria bagagem de
mão, à reação natural à confusão formada em torno do carro em que
circulou pela Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio, na tarde
deste segunda-feira, Francisco deu lições. Ainda no avião, fez questão
de falar aos mais de 60 jornalistas que com ele viajaram, cumprimentando
um a um em seguida, sempre com uma palavra diferenciada. Até fez piada
com um vaticanista: "Como, você sabe, Deus é brasileiro, o papa tinha de
ser argentino", divertiu-se, mostrando um relaxamento pessoal nunca
visto entre os poderosos do país, quase sempre de cara amarrada e pouco
afeitos a aproximações informais.
CRISE VIROU OPORTUNIDADE - Já
em terra, depois da descida na Base Aérea do Galeão, o papa foi
surpreendido por um congestionamento no trajeto do aeroporto à catedral.
O que poderia ser uma crise tornou-se, para ele, uma oportunidade.
Diante do assédio, o papa nem sequer fez menção de subir o vidro do
carro sem luxo em que estava sentado no banco de trás, para proteger-se.
Não se tratava de nenhuma limousine, não havia vidros escuros e o ar
condicionado nem estava ligado. Todo de branco, apenas um com um
crucifixo como adereço mais marcante, Francisco não se recusou, neste
momento mais tenso, dado o show de improviso dos responsáveis por sua
segurança, a distribuir seus sorrisos e aceitar a proximidade dos muitos
que o queriam ver e tocar. Não ordenou nenhum tipo de fuga, não
demonstrou medo do público. Simplesmente manteve-se onde estava,
demonstrando, na prática, que não tem o que temer quem nada deve.
Em seguida,
ao subir no papa-móvel, outra surpresa. A seu pedido, o veículo não
tinha vidros blindados ou proteções laterais. Fora concebido para não
apenas permitir ao papa ver e ser visto, mas também para que ele possa
tocar e ser tocado pelo povo. Tanto assim que Francisco não se recusou a
beijar mais de uma criança oferecida à benção pelos pais.
Fora das épocas de campanhas eleitorais, quando é mesmo que se vê os políticos brasileiros, em sua esmagadora maioria, cometerem 'temeridades' semelhantes? Nunca, é a resposta que todos têm na ponta da língua.
Fora das épocas de campanhas eleitorais, quando é mesmo que se vê os políticos brasileiros, em sua esmagadora maioria, cometerem 'temeridades' semelhantes? Nunca, é a resposta que todos têm na ponta da língua.
Ao se
apresentar a uma platéia de autoridades, reunida no Palácio Guanabara,
sede do governo estadual, o papa mostrou, mais esta vez, toda a sua
polidez. "Bato delicadamente a esta porta, pedindo licença para entrar",
disse ele, apresentando-se, numa elegante referência ao Brasil e "ao
seu portal", o Rio de Janeiro. Não se conhecia, até então, em todo o
cerimonial do poder nacional, frase semelhante de um convidado aos seus
anfitriões. Mais uma lição, portanto, para modernizar, no melhor
sentido, o ultrapassado repertório das cerimônias públicas brasileiras.
Os
ensinamentos de Francisco são tão mais importantes porque ministrados no
Rio de Janeiro do governador Sergio Cabral. Na contra-mão da humilde
prática papal, Cabral acrescentou recentemente à sua conturbada
biografia de poderoso o uso e abuso de helicópteros públicos, mantidos
com verbas públicas, para carregar babás de seus filhos e até o
cachorrinho Juquinha em voos da alegria Rio-Mangaratiba-Rio. Ou melhor,
voos da vergonha.
Para repousar
e passar as noites em que ficará no País, até a próxima sexta-feira,
Francisco irá ocupar um quarto simples com banheiro na residência
oficial do arcebispo do Rio, ao lado de outros cardeais, sem nenhuma
distinção. Terá a mesma alimentação, obedecerá aos horários comuns. Como
um homem comum, poderoso sim, mas um homem em sua plenitude, sem a
necessidade de ter a mais ou de exibir ou desfrutar de diferenças sobre
os demais. Aprendam com ele, senhores engravatados do poder nacional,
ainda que já seja tarde.
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